Encher baldes para armazenar água se tornou parte da rotina dos moradores de Mucajaí, município no Sul de Roraima, que enfrenta as consequências da seca que atinge o estado. As mais de 18 mil pessoas que vivem na cidade enfrentam há três meses a instabilidade no fornecimento de água encanada. Nos últimos três dias, a situação piorou com horas seguidas sem ter sequer como fazer comida: “o jeito é armazenar água. É a única forma”, desabafa um morador.
Por conta da seca, que é agravada pelo fenômeno El Niño, as bombas do rio Mucajaí — que dá nome ao município e fica localizado na entrada da cidade — não têm conseguido fazer a captação de água bruta e o serviço de distribuição foi comprometido em 70% da capacidade. Além disso, os oito poços artesianos da cidade estão com baixo acúmulo de água no lençol freático e isso também impacta na oferta do serviço.
O g1 esteve no município nesta quinta-feira (14) e conversou com moradores sobre a situação. Entre as principais reclamações estão a falta de água nos horários da manhã e da tarde, falta de pressão nos chuveiros para tomar banho e de água potável para o consumo no dia a dia.
O problema da falta de água também tem afetado os municípios de Pacaraima, onde moradores dependem de caminhões pipa, e São Luiz, onde foi iniciada a perfuração poços artesianos.
A 57 km da capital Boa Vista, Mucajaí é um dos nove municípios em situação de emergência devido aos efeitos da estiagem em Roraima. Em meio à seca no estado, que deve durar até abril, incêndios florestais consomem casas, animais e a vegetação.
A Companhia de Águas e Esgotos de Roraima, empresa do governo responsável pela distribuição de água, disse em nota que a Estação de Tratamento de Água da cidade “está funcionando apenas com 30% da capacidade de abastecimento”, mas que o “sistema está normalizado e em pleno funcionamento”.
A falta de água também afeta os seis postos de saúde do município, que dependem de galões de águas minerais disponibilizados pela prefeitura de Mucajaí para os bebedouros. Nas escolas, caixas d’água sustentam o abastecimento quando não há fornecimento em dias normais.
Reservas em baldes e caixas d’água
Moradores reiteraram que desde janeiro deste ano Mucajaí enfrenta problemas no fornecimento de água. Em conversa com o g1, o morador Almir Oliveira, de 67 anos, tenente que trabalha no Colégio Estadual Maria Maricelma, disse que somente nesta semana foram três dias (segunda, terça e quarta) passando pela incerteza na hora de abrir a torneira.
“Olha, a água aqui em Mucajaí tá tendo só à noite e dificilmente sobe pro chuveiro ou dá pra você usar a máquina de lavar roupa, ou lavar a louça, e até fazer comida. A gente precisa se virar para conseguir fazer as coisas do dia a dia”, afirmou.
Tudo isso fez com que ele e a esposa improvisassem um chuveiro no quintal da casa, mas mesmo assim, o problema segue afetando a família, que também tem comprado água mineral.
“A gente improvisou chuveiro, compra água mineral para beber e estou planejando comprar uma caixa d’água, que é o jeito colher água para a gente chegar a ter pelo menos como completar um banho”.
“A gente vai pedir pra Deus pra mandar chuva porque é só Deus que pode resolver essa parada pra nós”, disse Almir.
Já o aposentado José Costa Reis, de 87 anos, precisa, mesmo com a idade, lidar com o peso de carregar baldes cheios quando não há água na torneira de casa. Ele contou que só consegue tomar banho depois de deixar o balde enchendo com as gotas que caem do chuveiro ao longo do dia.
“Sempre, sempre tá faltando água. Sempre. Quase toda semana falta água”, disse o morador ao g1, acrescentando uma das coisas ruins é não saber quando vai ter água.
Para o motorista João Marques, de 57 anos, atualmente, o único jeito de viver em Mucajaí é tendo reservatório de água em casa. Um dos dias mais difíceis para ele foi nessa quarta, quando faltou água o dia todo.
“Quem tem reservatório até que ainda dá pra viver, mas quem não tem fica sem água. Isso prejudica. Se você chega cansado do trabalho para tomar um banho, para almoçar, jantar, não tem água. Tem que ter reservatório, tem que ter caixa de água”, disse o motorista ao g1.
Joicevania Barbosa, de 46 anos, vende lanches na frente de casa para complementar a renda da família. A falta de água afeta diariamente a rotina e, com isso, as vendas.
“No decorrer do dia a água é bem fraca. Inclusive, a gente precisa para fazer as coisas. Não tem água nem para lavar a louça que suja”, disse.
De acordo com Joicevania, o jeito foi comprar um reservatório para evitar passar por problemas.
“O decorrer do dia é todo tempo fraca. Bem fraquinho, assim. Pela noite normaliza. Inclusive só conseguimos lavar roupa à noite por causa da água. Porque a água a gente precisa pra tudo. A questão do alimento, o banho, tudo é essencial…”, finalizou.
Postos de saúde sem água para limpeza
Ao todo, Mucajaí tem seis postos de saúde. O g1 esteve na Unidade Básica de Saúde (UBS) Edite Cardoso, no Centro da cidade. Funcionários relataram que a falta de água também tem impactado na limpeza do local.
De acordo com uma técnica de enfermagem, de 47 anos, que preferiu não se identificar, os pacientes não têm sido afetados, mas a limpeza da unidade também é essencial.
“Em relação aos pacientes, a falta de água não tem afetado em nada, pois temos água em galões fornecidos pela prefeitura. A água mineral era fornecida para os pacientes e para nós também, mas não é um problema. Para atividades como lavar tudo e fazer café, sim, é afetado. No entanto, para beber, não”, disse a técnica em enfermagem.
Nessa quarta, quando faltou água encanada, o posto já estava abastecido com água mineral fornecido em galões.
O g1 foi até a sede Prefeitura de Mucajaí, mas a prefeita Dona Nega não estava. A reportagem também a procurou via canal de atendimento, no gabinete e por meio da assessoria, mas não obteve resposta sobre quais têm sido as medidas tomadas para garantir a água nos postos de saúde e escolas municipais.
Companhia disponibiliza canal para dúvidas
A Caer explicou que o comprometimento do funcionamento das bombas de captação de água bruta em Mucajaí ocorre porque como o nível de água do rio está baixa há uma elevação maior para a captação de água, e “consequentemente a bomba leva um tempo maior para mandar água para a Estação de Tratamento de Água, e posteriormente, acumular água potável no reservatório apoiado para abastecer a cidade.”
Na terça, houve uma paralisação no serviço devido à grande quantidade de areia e detritos captados pelas bombas, o que impediu o funcionamento dos filtros da estação de tratamento, as que o serviço já foi normalizado.
Além disso, a Companhia disponibiliza disponibiliza os canais de comunicação para a população: WhatsApp: (95) 98406-3819; Call Center: 0800 280 9520 e aplicativo Caer Mobile, disponível para Android na Google Play Store, e iOS, na App Store.
FONTE: G1 GLOBO