Menos chuvas, mais calor. Estes são alguns dos possíveis efeitos do fenômeno climático El Niño no Ceará em 2024. A última vez que o evento havia se formado foi em 2016; porém, a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA) anunciou que as condições para o retorno do El Niño estavam confirmadas, e agora o que resta saber é qual será a intensidade do fenômeno.
Agências de meteorologia têm acompanhado com atenção a formação do El Niño, uma vez que os impactos do fenômeno alcançam várias regiões do mundo – e têm capacidade de custar até US$ 3,4 trilhões (cerca de R$ 16,6 trilhões) para a economia global nos próximos cinco anos.
“As águas do Oceano Pacífico já estão mais quentes, vão continuar a aquecer, até o fim do ano vão continuar quentes, e assim vai configurar um El Niño”, explica Meiry Sakamoto, gerente de meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).
No Ceará, destaca Meiry, a preocupação com o evento climático está diretamente relacionada com a quadra chuvosa. Isso porque, em anos com o fenômeno, o volume de chuvas no Ceará tende a cair.
Entre os anos de 1997 e 1998, por exemplo, quando houve um El Niño forte, a quadra chuvosa cearense, que vai de fevereiro a maio, ficou 54% abaixo da média história — dos 600 milímetros tradicionais, choveu apenas 272.
Em 2016, último ano em que houve El Niño, o fenômeno veio forte. Naquele ano, choveu apenas 317 milímetros no Ceará, 47% abaixo da média histórica de 600 milímetros do estado para o período.
Com a redução das precipitações, um dos efeitos mais diretos no Ceará é no volume das reservas hídricas, uma vez que o período da quadra chuvosa é o mais importante para garantir um bom aporte nos 157 açudes que abastecem a população cearense.
Com as poucas chuvas, também diminui a nebulosidade e aumenta a quantidade de radiação solar que nos atinge. O cenário em anos de El Niño, portanto, é de aumento da sensação de calor.
Estimativa
Açude de Mamoeiro, no município de Antonina do Norte, um dos reservatórios oficiais do Ceará — Foto: Cogerh/ Divulgação
Por enquanto, não é possível saber a intensidade do El Niño. Segundo a NOAA, há 54% de chances dele se tornar um evento forte quando atingir seu pico. As chances de ser um evento moderado, no entanto, também são altas.
“Se vai ser fraco, moderado ou forte, não dá para afirmar categoricamente”, pontua Sakamoto. A Funceme está, assim como as demais agências de meteorologia, monitorando o nível de aquecimento das águas do Pacífico para determinar a força do El Niño entre 2023 e 2024, uma resposta que só será possível obter nos próximos meses.
Confira a seguir perguntas e respostas sobre o fenômeno e seu impacto no Ceará:
- O que é o El Niño e como ele se forma
- Por que o oceano se aquece e forma o El Niño
- Como o El Niño afeta o Ceará e o Brasil
- Com que frequência ocorre e quanto tempo dura
- Em que anos o El Niño foi pior para o Ceará
- Qual a relação com a La Niña
- Como está atualmente
1. O que é o El Niño e como ele se forma
O El Niño é um fenômeno climático que ocorre naturalmente, formado a partir do aquecimento acima da média das águas do Oceano Pacífico equatorial. Durante o fenômeno, as águas dessa faixa do oceano ficam entre 0,5 a 2,5°C mais quentes.
Área do Oceano Pacífico na qual ocorre o aquecimento das águas — Foto: GETTY IMAGES/via BBC
2. Por que o oceano se aquece e forma o El Niño
Conforme o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o aquecimento do Oceano Pacífico que permite a formação do El Niño está relacionado com os chamados ventos alísios, que são ventos constantes vindos dos Hemisférios Norte e Sul da Terra. Estes ventos se encontram na região da Linha do Equador, se “chocam” e seguem do leste para o oeste do globo.
Com este movimento de leste-oeste, os ventos alísios acabam por empurrar as águas da superfície do Pacífico – que, por conta da radiação solar, estão normalmente mais quentes -, permitindo que as águas do mais profundas e mais frias subam. No entanto, se estes ventos estão mais fracos ou tomam outra direção, este movimento não ocorre.
A água aquecida continua na superfície, e a mais fria não sobe. Quando esta situação se estende, como está ocorrendo agora, as águas começam a registrar um aquecimento acima do normal, o que fornece as condições para a formação do El Niño.
3. Como o El Niño afeta o Ceará e o Brasil
Como a água está mais quente do que o normal, ela evapora mais facilmente. O ar quente, então, sobe para a atmosfera, levando consigo a umidade, e forma uma grande quantidade de nuvens de chuva na região aquecida do Pacífico equatorial.
O mesmo ar quente, só que agora mais seco, continua circulando, em altitudes mais baixas, e chega a várias regiões, entre elas, o norte da América do Sul, onde estão o Norte e o Nordeste do Brasil. A grande quantidade de ar quente seco circulando inibe a formação de nuvens e, por consequência, a ocorrência de chuvas.
Já na região Sul do Brasil, ele tem um efeito oposto. O ar quente impede que as frentes frias que vêm do Hemisfério Sul do planeta subam pelo país, ficando concentradas no Sul, o que faz com que a área tenha mais chuvas.
4. Com que frequência ocorre e quanto tempo dura
Super ‘El Niño’ chegando: Estamos prontos para as mudanças climáticas?
Não existe uma frequência exata de quanto em quanto tempo o El Niño ocorre, mas, historicamente, ele tem ocorrido em um intervalo entre 2 e 7 anos. Uma vez que o fenômeno se instala, também não há um período de duração definido, podendo se estender de nove meses a dois anos ou mais. A última vez que ele se formou, por exemplo, foi em 2016, tendo iniciado em 2015.
Para ocorrer El Niño, as águas do Pacífico na Linha do Equador precisam permanecer aquecidas por, pelo menos, seis meses seguidos. De modo geral, o aquecimento ocorre no segundo semestre do ano e costuma atingir seu auge entre outubro e fevereiro – justamente quando as condições da quadra chuvosa do Ceará estão se formando.
Chuva em Fortaleza durante a quadra chuvosa do Ceará, que vai de fevereiro a maio — Foto: Thiago Gadêlha/SVM
5. Em que anos o El Niño trouxe mais impactos para o Ceará
No Ceará, o principal fenômeno indutor das precipitações na quadra chuvosa é a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que se forma no Oceano Atlântico. Portanto, para avaliar os impactos do El Niño no estado é necessário analisar, também, a força da ZCIT naquele ano. Contudo, de modo geral, nos anos em que há El Niño, o estado tende a ter uma redução no volume de chuvas.
- Em 2016, por exemplo, quando o fenômeno foi considerado forte, a quadra chuvosa ficou 47% abaixo da média.
- Em 2010, outro ano em que o fenômeno ocorreu, as precipitações ficaram 49% abaixo do comum.
- Em 1998, a redução foi de 54%.
- Em 1992 e 1987, anos em que o El Niño foi considerado fraco, a queda nas chuvas foi de 26% e 14%, respectivamente, abaixo da média.
- E em 1983, quando o fenômeno estava forte, o Ceará teve um volume de chuvas 45% menor que o usual.
6. Qual a relação com a La Niña
La Niña e El Niño são duas faces do mesmo fenômeno, que é a oscilação das condições meteorológicas do Pacífico equatorial. Enquanto o El Niño é o aquecimento das águas, La Niña é o resfriamento. Com La Niña, as regiões Norte e Nordeste do Brasil têm mais chuvas – até mesmo chuvas torrenciais, a depender da intensidade do fenômeno -, enquanto o Sul pode enfrentar secas e calor.
7. Como está o El Niño atualmente
Neste ano, os indicativos mostram que o fenômeno se formou dois meses antes do comum e que há chances do evento climático crescer. Segundo a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA), entre o fim de 2023 e o início de 2024, quando o El Niño atingir seu pico, há 56% de chances do fenômeno ser considerado forte e 25% de chance, inclusive, do mundo viver um Super El Niño, quando a temperatura da água sobe até 2,5°C.
fonte: G1 Ceará